Negativa de autorização para impressão de documentos fiscais por existência de débito. Impossibilidade.

A impressão de documentos fiscais depende de autorização da Administração Tributária. Afinal, principalmente nas hipóteses de impressão de documentos fiscais que tenham o campo próprio para o destaque do ICMS devido na operação, o controle acaba sendo ainda mais rigoroso em face da possibilidade de apropriação deste valor a título de crédito fiscal pelo adquirente da mercadoria ou tomador do serviço sujeito ao imposto. Entretanto,  decisões judiciais têm mitigado o rigor deste controle quando se trata de medida coercitiva visando à cobrança de débito pendente, entendendo que o Estado tem outros meios de cobrança menos gravosos que não prejudicam o livre exercício da atividade econômica do contribuinte. Apelação Cível e Reexame Necessário 70027101724APELAÇÃO REEXAME NECESSÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ICMS. AIDF. AUTORIZAÇÃO PARA IMPRESSÃO.  DÉBITO PENDENTE. NEGATIVA.  DESCABIMENTO.A existência de débito com o fisco não pode impedir a autorização para impressão de talonários porque inviabiliza a atividade econômica do impetrante, consistindo meio coercitivo de pagamento de tributo.Precedentes do STF, STJ e TJRGS.Apelação a que se nega seguimento. Sentença confirmada em reexame necessário.Apelação Reexame NecessárioVigésima Segunda Câmara CívelNº 70027101724Comarca de São Sebastião do CaíEXMA SRA DRA JUíZA DE DIREITO 1ª VARA COM SãO SEBASTIãO DO CAIAPRESENTANTEESTADO DO RIO GRANDE DO SULAPELANTE[…]APELADODECISÃO MONOCRÁTICAVistos.[…] impetrou mandado de segurança contra ato do Diretor do Departamento da Receita Pública do Estado do Rio Grande do Sul, em razão do indeferimento do pedido de AIDF devido a pendências fiscais, havendo a prolatação de sentença com o seguinte dispositivo, fl. 68-verso:“Pelo exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido para tornar definitiva a medida liminar concedida.Sem honorários advocatícios (Súmulas n. 512 do STF e n. 105 do STJ).Custas pelo impetrado.Publique-se.Registre-se.Intimem-se.Após o decurso do prazo para os recursos voluntários, remetam-se ao autos ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado para fins de reexame necessário, nos termos do artigo 475, inciso II do Código de Processo Civil.”Inconformado, apela o Estado do Rio Grande do Sul às fls. 72/83. Alega que a apelada é devedora de ICMS e na esteira das normas legais que regem a matéria, outro procedimento não poderia ter a autoridade apontada como coatora que não a de condicionar a autorização de impressão de documentos fiscais à prestação de garantia pelo imposto vincendo. Analisa disposições legais e regulamentares, ressaltando a possibilidade de utilização de notas fiscais avulsa. Requer o provimento do recurso.Contra-razões às fls. 87/90.É o relatório.Com fundamento no art. 557 do CPC, efetuo o julgamento de forma monocrática, observada a orientação jurisprudencial do STF e do STJ a respeito do tema.A questão versa sobre a legalidade do condicionamento ao pagamento dos débitos juntos à Fazenda Pública para a emissão de notas fiscais da empresa impetrante.Primeiramente, cumpre referir que incumbe ao Poder Judiciário a análise da legalidade ou não da exigência da autoridade coatora para autorizar a expedição de AIDF à impetrante, em virtude de que o ato referido pode ser analisado e revisto pelo Poder Judiciário face ao disposto no art. 5º, XXXV, da CF, não merecendo maiores considerações acerca das atribuições de cada poder constituído do Estado.Sendo assim, é inaceitável condicionar a autorização para impressão de documentos fiscais mediante a exigência de garantia, nos termos do que dispõe o artigo 42, § único, da Lei 8.820/89, bem como o art. 42, I, do Decreto nº 37.699/97, tendo em vista que tal negativa consiste em meio coercitivo para forçar o contribuinte a pagar o imposto, sendo inaceitável a exigência de garantia com base em estimativa em impostos vincendos.Existente débito, conforme comprovado, cumpre à autoridade coatora proceder na sua cobrança, observada a via adequada.Em conseqüência, inadmissível que a autoridade coatora se negue a fornecer a autorização necessária para a impetrante expedir notas fiscais, eis que tal negativa se mostra ilegal, consistente em abuso por parte da autoridade coatora, impedindo a autora de exercer sua atividade comercial, diante da impossibilidade de extrair notas fiscais para controle das vendas e recolhimento de impostos, negativa que merece ser reparada mediante a concessão da ordem requerida.Assim tem-se orientado a jurisprudência deste Tribunal de Justiça:NOTAS FISCAIS. AUTORIZAÇÃO DE IMPRESSÃO. NEGATIVA INDEVIDA. Apelação nº 592093124, 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado.Mandado de Segurança. Ato de Superintendente da Administração Tributária do Estado que negou autorização para que o comerciante pudesse mandar imprimir notas fiscais, sob a alegação de que o mesmo é devedor do fisco. Atitude que evidencia verdadeira coação, atingindo o direito de comerciar. Apelação nº 590087664, 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado.Mandado de Segurança. Caracterizado o prejuízo que sofreria o autor, falta de autorização para imprimir notas fiscais, face ao débito fiscal existente, impossível rejeitar a impetração… Apelação nº 591090543, 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado.  O mesmo é o entendimento do STF, cujo Tribunal Pleno recentemente apreciou a questão:RE 413782 / SC – SANTA CATARINARECURSO EXTRAORDINÁRIORelator: Min. MARCO AURÉLIO Julgamento: 17/03/2005            Órgão Julgador: Tribunal Pleno Publicação: DJ 03-06-2005 DÉBITO FISCAL – IMPRESSÃO DE NOTAS FISCAIS – PROIBIÇÃO – INSUBSISTÊNCIA. Surge conflitante com a Carta da República legislação estadual que proíbe a impressão de notas fiscais em bloco, subordinando o contribuinte, quando este se encontra em débito para com o fisco, ao requerimento de expedição, negócio a negócio, de nota fiscal avulsaTal precedente foi divulgado pelo Informativo 380 do STF, de 14/03/05, nos seguintes termos:Emissão de Notas Fiscais e Livre Exercício de Atividade EconômicaPor entender caracterizada a ofensa à garantia do livre exercício do trabalho, ofício ou profissão (CF, art. 5º, XIII) e de qualquer atividade econômica (CF, art. 170, parágrafo único), o Tribunal, por maioria, deu provimento a recurso extraordinário, para declarar a inconstitucionalidade do inciso IV e do § 4º do art. 19, do Decreto 3.017/89, do Estado de Santa Catarina, que, regulamentando o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços naquele Estado, possibilitam que os órgãos da Diretoria de Administração Tributária proíbam a impressão de documentos fiscais para empresas em débito com a Fazenda estadual, condicionando-as a requerer ao fisco a emissão de nota fiscal avulsa a cada operação realizada. Vencido o Min. Eros Grau que desprovia o recurso por não vislumbrar restrição à atividade mercantil.RE 413782/SC, rel. Min. Marco Aurélio, 17.3.2005. (RE-413782)De igual sorte:RE 424061 / RSRECURSO EXTRAORDINÁRIO Relator Min. SEPÚLVEDA PERTENCE DJ DATA-31/08/2004 P – 00043 Julgamento 02/08/2004 DespachoDECISÃO: RE, a, interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, assim ementado: “APELAÇÃO CÍVEL. MANDANDO DE SEGURANÇA. AUTORIZAÇÃO PARA IMPRESSÃO DE DOCUMENTOS FISCAIS. PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. DOCUMENTOS JUNTADOS APÓS A PROLAÇÃO DA SENTENÇA. INADMISSIBILIDADE. POSSIBILIDADE DE O FISCO EXIGIR GARANTIAS. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 39, 42, § ÚNICO, DA LEI Nº 8.820/89. POSSIBILIDADE DE EMISSÃO DE NOTAS FISCAIS AVULSAS. NEGARAM PROVIMENTO AO APELO”. O acórdão recorrido diverge do entendimento que esta Corte adotou no RE 115.452-EDv, Carlos Velloso, Plenário, DJ. 16.11.90, assim ementado: “CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ICM. REGIME ESPECIAL. RESTRIÇÕES DE CARÁTER PUNITIVO. LIBERDADE DE TRABALHO. CF/67, ART. 153, § 23; CF/88, ART. 5º, XIII. I – O “regime especial do ICM”, autorizado em lei estadual, porque impõe restrições e limitações à atividade comercial do contribuinte, viola a garantia constitucional da liberdade do trabalho (CF/67, art. 153, § 23; CF/88, art. 5º, XIII), constituindo forma oblíqua de cobrança do tributo, assim execução política, que a jurisprudência do Supremo Tribunal sempre repeliu (Súmulas nºs 70, 323 e 547). II – No caso, os acórdãos indicados como divergentes cuidaram do tema sob o ponto de vista legal, enquanto que o acórdão embargado decidiu a questão tendo em vista a Constituição. Inocorrência, por isso, de divergência capaz de autorizar os embargos. III – Embargos não conhecidos.” No mesmo sentido: RE 216.983, Carlos Velloso, 2ª T., DJ 13.11.98; AI 424.182 – AgR, Carlos Velloso, DJ 08.10.2003. Na linha dos precedentes, dou provimento ao RE. Brasília, 2 de agosto de 2004. Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE – RelatorCom o mesmo entendimento, RE 409956 / RS, Rel. Min. Carlos Velloso, publicado no DJ em 31/08/2004, p. 00041; RE 434987 / RS, Rel. Min. Cezar Peluso, publicado no DJ em 14/12/2004; e SS 2496 / RN, Rel. Min. Nelson Jobim, publicado no DJ em 23/11/2004, p. 00034.Idêntica é a orientação jurisprudencial do STJ, citando-se:RESP 633675 / RS ; RECURSO ESPECIALRelator Ministro LUIZ FUX Órgão Julgador PRIMEIRA TURMA Data da Publicação/Fonte DJ 30.08.2004 p. 227 TRIBUTÁRIO. ICMS. MANDADO DE SEGURANÇA. AUTORIZAÇÃO PARA IMPRESSÃO DE DOCUMENTOS FISCAIS. DÉBITOS COM A FAZENDA PÚBLICA. PRINCÍPIO DO LIVRE EXERCÍCIO DE ATIVIDADE ECONÔMICA. ARTIGO 170, PARÁGRAFO ÚNICO, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. SÚMULA Nº 547 DO STF. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. NORMA LOCAL. RESSALVA DO ENTENDIMENTO DO RELATOR.1. O Poder Público atua com desvio de poder negando ao comerciante em débito de tributos a autorização para impressão de documentos fiscais, necessários ao livre exercício das suas atividades. Artigo 170, parágrafo único da Carta Magna.2. Ratio essendi das Súmulas 70, 323 e 547 do E. STF e 127 do STJ no sentido de que a Fazenda Pública deve cobrar os seus créditos através de execução fiscal, sem impedir direta ou indiretamente a atividade profissional do contribuinte.3. É defeso à administração impedir ou cercear a atividade profissional do contribuinte, para compeli-lo ao pagamento de débito, uma vez que este procedimento redundaria no bloqueio de atividades lícitas, mercê de representar hipótese da autotutela, medida excepcional ante o monopólio da jurisdição nas mãos do Estado-Juiz.4. Ressalva do entendimento do relator para acompanhar o entendimento da 1ª Turma e não conhecer do recurso por esbarrar em análise de matéria constitucional e em norma local.5. Recurso especial não conhecido.RESP 296348 / ES ; RECURSO ESPECIALRelator Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS Órgão Julgador SEGUNDA TURMA Data da Publicação/Fonte DJ 24.11.2003 p. 243 PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. FORNECIMENTO DE AIDF. RECUSA. ABUSO DE PODER. VIOLAÇÃO DO ART. 1º DA LEI 1533/51. INOCORRÊNCIA.1. Constitui abuso de poder a negativa de autorização para impressão de documentos fiscais indispensáveis à atividade do contribuinte, utilizada como meio coercitivo para o pagamento de tributo.2. Recurso especial improvido.Apurado o débito existente, o fisco deverá, através dos inúmeros remédios legais de que dispõe, de prosseguir na cobrança do crédito devido. Por estes fundamentos, nego seguimento à apelação e confirmo a sentença em reexame necessário, forte no art. 557, “caput”, do CPC.  Intimem-se.Porto Alegre, 12 de novembro de 2008.Des. Carlos Eduardo Zietlow Duro,Relator.

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